24 abril, 2006

Altivez

Rio,
me divito com o seu ciúme.
Debocho de suas palavras,
sua insegurança de menino.
Brinco com sua imaginação,
flertando em anônimos telefonemas
e me banhando com o perfume
das flores que chegaram sem bilhete.
Mas lá no fundo,
feito louca,
invejo o ciúme,
que eu,
arrogantemente,
não possuo.

Justificativa

Sorri,
olhando a lua cheia
que no céu brilhava.
Então foi isto,
foi ela...
Oculta tentação
que provocou
meus sentidos
me fazendo dizer
as bobagens que disse,
ao seu ouvido.

Guilherme de Almeida


"Não precisa bater, quando chegares
Toma a chave de ferro que encontrares
Sobre o pilar, ao lado da cancela
E abre com ela
A porta baixa, antiga e silenciosa
Entra.
Aí, tens poltrona, o livro,
A rosa, o cântaro de barro e o pão de trigo
O cão amigo
Pousará nos teus joelhos a cabeça"

Proteção


Escondo meu olhar
em profundas
e negras olheiras.
Mas não se preocupe,
mamãe.
Não estou doente ou abatida.
É somente o resultado
de uma noite bem vivida.

Live in Pompeii

Algum tempo
Meu grande amor,
meu único entre tantos,
tantos entre um.
Fique comigo algum tempo
e não me deixe em tempo algum.

Sonata em "fi menol"

Sérgio, eu e o Lu em Campos do Jordão

Colorindo

Eu quero aproximar a lua,
morar onde moram os sonhos.

Pintar de azul
as cores tristes,
brincar de criança,
beijar seus olhos
na boca da noite
e fazer a dança
das estrelas cadentes.
Eu quero,
apaixonadamente,
sorrir as horas que passam,
passar o tempo
sem que ele me ultrapasse.
Buscar na alma
a paz já sentida
e, tranquilamente,
enlouquecer
a rigidez da vida.

Inexata

Saudade inexata,
abstrata.
Eu sei por quem,
Não sei porque.
Desejo contido,
guardado,
esperando por alguém,
que se chegar,
se vier,
não sei mais se vou querer.

Carlos Augusto Amaral


Meu avô. Poeta maior, a quem dedico meus "Sonhos Diversos" e minha alma por completo.
Pode?
Carlos Amaral
Pode uma dor, ou quase dor, uma dor leve e mansa, menos tempestade que bonança, permanecer em estado latente, obstinadamente, no coração da gente?
Pode, sim! Mas, um belo dia, chega um neto, de supetão e, de repente, grita "Meu vô"
Aí, então, a dor acorda, a dor desperta, a dor se assusta, a dor se espanta, e de repente, a coitadinha deixa o coração da gente.
Ah! Minha dor, minha dor mansa e leve!
O seu nome é saudade???

Amor


Minha mãe e meu avô. Amor.

Vejam que lindo!

Texto e foto de José Carlos Egreja

Ando pensando em nós dois.

Agora entendo que somos como céu e mar
Combinamos tanto que quem olha de fora tem a impressão de que nascemos para estarmos juntos, mas todos sabem também que nunca iremos nos encontrar fisicamente, embora na poesia eu mergulhe em você todas as tardes

É assim. Só estamos juntos na poesia, mas não de fato
Condenados a nos acompanharmos, somos paralelos que, como tais, não se tocam a não ser no infinito. E quem saberia?
Somos tão parecidos que às vezes, tão semelhantes, confundimos imagem e espelho.
Entretanto, só nos tocamos quando algo evaporado de você vem até mim e depois de beijá-la (a esta parte), te a devolvo em meio a gritos e raios na tempestade, que é o nosso único possível amor.

miopia

Não mais colocarei os meus óculos.
Deixo a miopia desfocar a minha realidade.
O mundo ficará mais imperfeito,
mas eu irei me culpar menos
por não fazer o que deveria ser feito.

Banalidade


Não se iluda,
menina.
É só um amor,
mais nada.
Não é natal,
nem carnaval,
nem se quer é São João.
Não há nada
que mereça relevância,
não tem eclipses
e nem cometas.
É só um amor,
uma bobagem,
fato sem importância.

Uma imagem que dispensa palavras...

17 abril, 2006

Sonhos Diversos

Meu livro de poesia. Publicado em 1995
SONHOS DE VERSOS
Quis ser poeta
feito Ledo Ivo
ou Carlos Amaral.
Ledo engano.
Nem Ivo,
nem Amaral.
Sou poeta
cujo "Sonhos Diversos"
não contém sonhos
nem versos
na memória de ninguém.

"Minas...É hora de voltar..."

APOLOGIA AO SILÊNCIO

Ouvi mentiras
e verdades cruéis.
Falei bobagens
e fui aplaudida,
rí do rídiculo
das idéias fúteis
e frases mal feitas.
Fui envolvida
com falsas profecias
e estórias sem nexo.
Entristeci com a estupidez
dos diálogos hipócritas
e exaltei a plenitude do silêncio.

Helinho, meu querido!

Um amigo, um anjo,
alguém que só me trouxe carinho e alegria.
Muito amor por ele.
Imperdível esta reportagem.

16 abril, 2006

família reunida

Falta o Gegê, que chegou logo depois.

Vicente Amaral

Eu e o Tente no Baile do Oeste- Ourinhos

Tantas coisas vivemos juntos. Desde a infância, quando ele tinha um brinquedo chamado "massa lunar" e não me deixava brincar com ela, a adolescência, as festas, viagens, bares, depois faculdade, trabalho, responsabilidades, casamento, filhos(ele tem 2 filhos lindos). Até o dia de hoje, em que chega pelo sedex um envelope dele para mim...Adivinha o que era? Uma "massa lunar"! Depois de tantos anos ele se redmiu do seu egoísmo de infância! Mas ai dele se chegar perto da minha massinha!

Mesmo distante sempre esteve presente.

Texto de Martha Medeiros

Não é novidade que há muitas mulheres, hoje, relacionando-se com homens mais jovens. Há quem acredite que esta é mais uma infiltração da mulher no mundo masculino: elas estariam dando o troco nos coroas que só se relacionam com ninfetas. Pois eu acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Homens maduros se relacionam com garotas, na maioria das vezes, para confirmar sua virilidade e também para recuperar a juventude, e, sejamos francos, ninguém tem nada a ver com isso, todas as relações humanas são, basicamente, de troca: cada um oferece o que tem e toma pra si o que precisa. Se é amor, tanto melhor, mas mesmo não sendo, o casal pode ser igualmente feliz. Já as mulheres não me parecem estar se relacionando com garotos apenas para se sentirem mais jovens - ainda que isso conte também. O que eu tenho observado é que, na verdade, nem são as mulheres que estão partindo pra cima dos guris. É sempre mais fácil acreditar no clichê: mulheres divorciadas, recauchutadas e com dinheiro no bolso estariam aliciando rapazotes indefesos, mas olhe com atenção: eles, os "indefesos", é que estão procurando mulheres mais maduras. O motivo não é difícil de entender. Me acompanhe. Pra começo de conversa, é preciso reconhecer uma verdade universal: mulher é chata. É gostosa, é querida, é sensível, é eficiente, mas é chata. Me incluo. Só que a tendência é perdermos a chatice com o passar dos anos. A passagem do tempo, se nos tira algum viço - e nem tira tanto assim, com os recursos que existem hoje - nos dá em troca muita coisa: serenidade, autoconfiança, experiência. E o mais importante de tudo: humor! Depois de passarmos pelas inseguranças da adolescência e pelos sustos e pelas obrigações do primeiro filho, do segundo filho, do primeiro casamento, do segundo casamento, a gente simplesmente relaxa. Acabou o estresse familiar, viraram todos amigos, é hora de se divertir. Não há mais tempo a perder com picuinhas, com ciúmes, com desconfianças, com sonhos inatingíveis. Uma mulher madura troca sonhos por objetivos. Não precisa mais matar dez leões por dia, já se estabeleceu e agora quer aproveitar a vida, curtir bons shows, viajar, ficar bonita e fazer umas loucuras que nunca se atreveu quando era mais jovem, veja só. Qual é o homem que não vai querer uma mulher assim? Tem muita menina bacana e madura, não dá pra generalizar. Mas é bem verdade que muitas delas são bobas, cheias de frescura, só ligam para a aparência e se esquecem do recheio. Fazem um dramalhão por qualquer coisa e viram experts em desgastar relacionamentos. Então os rapazes não têm outra saída a não ser procurar mulheres mais desencanadas. Não lhe parece uma teoria plausível? Trocam-se duas esquizofrênicas de 20 por uma quarentona que só dê prazer, e não problemas. Ok, talvez eu tenha sido otimista demais. Coisa da idade. martha.medeiros@oglobo.com.br

Moacyr Mendes Moraes

http://www.amalgamar.f2o.org/blog
Moacyr, mais que um amigo, um terapeuta, um professor. Um mestre, realmente, um grande mestre. Alguém que passa pela vida da gente e nos transforma. Pode passar anos, encarnações, mas suas palavras serão vivas em mim.
Sem ele, meus amigos, eu seria muito pior!
Portanto, agradeçam-no.
Ele já tem minha gratidão e admiração eterna.

Outros carnavais...
















Decadência do Império Romano

Mauro, Marcos Paiva, eu e Cristiano

Definição


Ô, meu Deus!
Não tenho sono
quando deveria dormir,
não amo
quando poderia amar.
Não faço nada de forma exata.
Sou a contradição da vida sensata.

Escuro

Foto José Carlos Egreja
Está escuro aqui.
Muito escuro pra ser dia.
É noite em mim.
Noite fria,
sem brilho
e sem lua.
Ao longe,
eu posso ver um veio de luz,
mas ele não me vê.
Ilumina o vão de uma porta,
que por fora está trancada.

rosas e espinhos

Foto Zé Carlos Egreja

As flores que recebi
eram doze.
Uma dúzia de rosas
e cento e catorze espinhos.
Abraço as flores
como quem abraça
o amor já partido,
perdido entre alegrias e mágoas.
Enterneço meu coração,
minha alma amedrontada.
E adormeço com as mãos feridas,
mas completamente perfumadas.

Tristeza Silenciosa



Deixe que o silêncio fale por mim,
relatando as minhas dores.
Deixe que o silêncio
cale meus temores
e aquiete as minhas mágoas.
Não espere por minhas palavras,
as noites de fome e frio
emudeceram a minha voz.
Não me peças um sorriso,
perdi meu riso junto aos beijos
que não dei.
Não permita que eu exponha
o recôndito tempo perdido
em que eu não pude amar.
Silencie o diálogo das lágrimas,
não posso mais.
Há muita tristeza envolvida em meu olhar

contradição

Foto de José Carlos Egreja

CONTRADIÇÃO
Tão louca sou eu
que em meio à rigidez
do mundo ainda sonho.
Sonho mais do que vivo,
vivo mais do que faço,
penso mais do que sou.
Crio as mais fantásticas
estórias, me iludo demais.
Busco os mais inacessíveis
caminhos e acabo
por me perder.
Engano a mim mesma
por puro prazer,
sou o que mais quero ser.

Chico e Ângela


Irmãos, amigos verdadeiros. Sempre.

Nanna de Castro

Nanna de Castro: Grande amiga e poeta.
aqui vai um poema dela:
"Uma pessoa simples
Duas pessoas simples
Três pessoas simples
Uma infinidade de pessoas simples
É tão bom
Que é sempre
Singular."
Eu, Nanna e Margô. Ouro Preto

Caminhos

Procurando um caminho alternativo pra chegar em Ouro Preto. Eu e Nanna, 1996 "Para descobrir caminhos, é necessário sair dos trilhos."

Omissão

Fechamos nossos olhos
e perdemos de vista o amor.
Lavamos nossas mãos
e escaparam-se os momentos.
Dormimos,
adormecendo nosso desejo.

Amigas queridas

Eu, Paula e Fê em 1994
Amigas de muitas e muitas risadas,
algumas lágrimas inevitáveis
e sonhos compartilhados.

velha infância

Meus pais. Ainda bem que não cresceram.
Mas dá trabalho educá-los...
Todo meu amor e admiração por eles.

Texto de Machado de Assis. Muito bom!!!

Uma Criatura

(Machado de Assis)

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas,
E o mar, que se rasga à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que se despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo.
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o colibri é, como a rola, inerme;
E caminha na terra impertubável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo,
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois esta criatura está em toda obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte:
Eu direi que é a vida.

Lobisomem



Lá de onde eu venho
dizem que nas noites de lua cheia
um lobisomem ataca as moças bonitas.
Os velhos dizem que ele é mau,
as velhas fazem segredo,
mas sorriem.
E eu aqui sozinha...
Esta estrada tão vazia,
esta lua tão redonda...
Bem que eu podia ser bonita.

Cidade Grande


Na cidade
os carros se atracam
disputando um lugar.
Nos ônibus
transbordam pés,
pernas e braços
pelas portas e janelas.
Nas ruas
tropeçamos em sapatos
e esbarramos em bolsas.
E as pessoas, meu Deus???
Não vem acompanhando
os seus acessórios?
Não há tempo...
Vivem muito ocupadas com suas solidões.

Nadar


Quem me ensinou a nadar
foi o susto do barco naufragado,
o ímpeto de amor à vida
que ia se derramando feito cachoeira.
Quem me ensinou a nadar
foi a correnteza que me levava
por onde eu não queria ir.
Quem me ensinou a nadar
foi o contato com a profundidade,
a distância imensa que ia se estendendo
entre meus pés e o chão.
Ninguém me ajudou
enquanto eu sufocava
e nem me emergiu das águas fundas.
Quem me ensinou a nadar
não foi marinheiro,
nem os peixinhos do mar.

Caduquice

Não nasci para envelhecer
em uma cadeira de balanço,
embalando o tempo
já passado, ora vivido.
Não nasci para envelhecer
arrastando um chinelo
no silêncio de um corredor
que vai dar no nada.
Não nasci para envelhecer
resmungando com os netos,
as crianças dos vizinhos
que nunca visitam.
Não nasci para envelhecer...
Prefiro morrer muito jovem
ou completamente biruta.

Cenas

Chegaste tarde,
tarde demais para o amor.
Trago em mim a descrença
e a crença de algo mais.
Trago o riso cênico,
cínico, irônico,
de quem o drama da vida
fez ser comédia o amor.

Anjo



Bem que eu quis ser um anjo,
longas asas brancas possuir.
Saber voar,
pairar reluzindo no ar.
Mas nunca fui
e nem serei um anjo.
Por que, então, não me perdoa
por eu não ser o que quis?
Entenda meu coração humano,
meu afeto profano
e as bobagens que fiz.

Borralheira



Ando meio cansada,
cansada de nada,
de tédio,
de sonhos adormecidos.
Sonhei contos de fada,
mudei para um castelo de areia
protagonizei princesas
e acordei gata borralheira.

O QUERER


Quero a mão que me alisa
e me afaga.
Quero a boca que sussurra
o amor ao meu ouvido.
Quero os olhos que me vêem
enquanto vejo melhor o mundo.
Quero o sorriso
a rir misérias comigo.
Quero tanto que o querer
fica sem sentido.

Preciso.
(1996)

Bar da faculdade


Faculdade de psicologia...
Bar...
Alguma semelhança?

Aluada

Ando pelas ruas
longas avenidas escuras
sem medo de nada
iluminada por dentro.
Ando pelo mundo,
rodopiando no ar
feito bailarina
amante de um só lugar.
Ando pela vida
seguindo a trilha sem fim
de uma lua que não brilha,
senão em mim.

(Poema musicado por Ricardo Botter Maio e tema da Denise Fraga em uma novela do SBT)

fábula impiedosa

FÁBULA IMPIEDOSA

Um beija-flor apareceu
em minha porta.
Exibiu-se,
fez charme,
fez fita.
Chegou muito próximo
e beijou outra flor.
E ele, num olhar cortante
me disse que eu não sou
flor que se cheire,
flor que se beije,
que eu não sou flor...
E então,
eu, num ímpeto de raiva e dor
rasguei a minha fantasia.
E ele se foi,
impiedosamente,
sem dizer mais nada.

Livre


LIVRE

Eu preciso voar,
ter a liberdade
dos pássaros pantaneiros.
Eu preciso ser livre,
viajar mundo inteiro.
Conhecer novas terras,
o caminho que me leva
entre os mares e as serras.
Eu preciso desfrutar
de outros ares,
respirar culturas diversas,
infiltrada em alguns lares.
Eu preciso levitar pelo espaço
como uma estrela
ou um bicho alado,
pois o cansaço de um vôo
é o que me fixa ao seu lado.

Gênese


GÊNESE

Pousas abelhinha
sobre a flor aberta,
desfrutas do néctar
que ela te oferece.
Sugas sedenta
o que a flor guardou pra ti,
para depois ofertares
vitoriosa o mel que tu,
por amor, fabricastes.

Da Vida nada se leva?

Eu e "Pipica"
Da vida só se leva a vida que se leva- Tom Jobim

Justa Rebeldia

JUSTA REBELDIA

Entendo pouco da vida,
mas ela também não me entende.
Sacrifico o amor pelo medo,
desisto quando estou ganhando,
desprezo o belo
pra me encontrar com o sujo,
o feio, o imperfeito.
Esqueço minhas qualidades,
ressalto meus defeitos,
adio os compromissos pra fazer
o que não precisa ser feito.
Brinco com coisas sérias,
durmo no meu trabalho
pra ter que trabalhar nas férias.
Eu não gosto dos bonzinhos,
eu gosto dos loucos,
dos artistas insensatos,
dos tortos, dos moucos.
Busco a abstração,
o exagero dos ideais,
mesmo que seja ilusão.
Da vida, eu entendo pouco,
mas ela também não me entende,
quer que eu faça coisa normais,
igual a todos os mortais.
Mas eu não...
Eu sonho demais.
(1990)

Atropelo


ATROPELO

Ficar na fila de espera,
dormir na contra-mão.
Olhar o mapa ao contrário,
perder a direção.
Na colisão da vida atropelada
passei por cima dos meus ideais.

Dona Nada

DONA NADA


Lá estava ela, sentada sob a única cadeira da imensa varanda. Corpo magro, coberto por um pobre vestido de cetim, o cabelo acinzentado estava cuidadosamente preso. Tinha olhos claros que escondiam muito mais do que revelavam e pareciam estar perdidos num passado não vivido.
Deveria ter lá os seus 60 anos, ao menos é o que acusavam as marcas que o tempo foi esculpindo em seu rosto.
A casa era grande e ia se tornando cada vez maior a medida que os filhos iam em busca de suas próprias vidas. Apesar de limpa a casa se parecia mais com um velho casarão abandonado, as paredes estampavam uma cor amarelada que um dia já fora branca e os sofás viviam eternamente cobertos por lençóis gastos e rotos.
Poderiam os olhos percorrerem por qualquer canto em busca de algum fragmento de vida, que dificilmente encontrariam.
Dona Nada não tinha flores e nem plantas porque julgava dar muito trabalho, animais de estimação não possuía porque sujavam a casa, apenas o marido insistia na solidão de sua companhia.
Havia dias em que tão alto era o silêncio que os pensamentos pareciam ser ditos e dona Nada chegava a temer que o marido a escutasse, pois havia emoções que gritavam em seu peito.
Seu universo pessoal caminhava além dos arredores da casa. Possuía o seu próprio mundo interior, onde fervilhavam idéias, planos e projetos que, covardemente, se evaporavam junto aos sonhos que não mais ousava possuir.
Embora tenha deixado de lado tantos planos que na juventude fizera, dona Nada não conseguia se ver livre de um turbilhão de sensações que a agitavam, devastando sua rotina interna.
Por detrás da fria imagem de mulher sensata, pulsava, latejante, a outra, a dona Tudo, aquela que vibra, que sente, se emociona e deseja, aquela mesma mulher que outrora ambicionava um amor romântico e uma carreira artística , traçada caprichosamente por seus próprios pincéis.
Aquela pequenina cidade onde vivia dona Nada, as pessoas que por sua calçada transitavam, não poderiam imaginar que, a clara mansidão de seus olhos, escondia uma voraz tempestade.
E eram tantos os desejos, os sonhos irrealizados, tantos mais do que dona Nada poderia suportar, pois aprendera desde cedo as virtudes competentes a uma mulher cujo caminho, cruelmente estabelecido pelo grande juíz da hipocrisia social, a conduzia por uma estrada de mão única.
Seu destino se estabelecera muito cedo, precisamente aos 22, quando se casou com Tibério.
E o sim, dito com tanta resignação, a ela representava um contrato perpétuo e intransferível de esposa fiel e mãe dedicada, num mundo sem espaço para seus sonhos.
Abandonou, então ,suas aulas de artes plásticas e seu ideal de se tornar uma grande pintora.
Aprendeu a cozinhar, tricotar, lavar e passar. Aprendeu também a difícil tarefa de ser mãe, gerar, cuidar, criar, educar. Aprendeu, como ninguém, a desempenhar estes papéis.
E tudo passou tão rápido que não houve tempo de dona Nada aprender a simplesmente ser.
Foi ao longo dos anos reprimindo tudo que era realmente seu para brindar a vida e a glória dos seus.
Os afazeres domésticos nunca lhe permitiram ser coerente com seus desejos.
Suas emoções vinham via parabólica, figuradas em uma tela colorida. Sorria e chorava junto às atrizes de novela. Conhecia o mundo através das palavras do noticiário de TV.
Mas, tão vasto é o campo que abrange o ser, que seus sonhos não se perderam por completo em meio às frustrações, ficaram apenas encaixotados no baú do inconsciente.
Os pudores, ainda atados ao vulto de uma castradora moralidade, a impediam de viver sua própria história. Porém, os fantasmas, que dentro de si habitavam, ansiavam loucos por liberdade, fazendo revolucionar os antigos padrões e desabando a muralha que a separava da vida.
Foi o acúmulo do “nada”, o tédio total e absoluto que consumiam os seus dias em oposição à vida que pulsava, mostrando-se presente, que a fizeram a entrar em um longo processo de redespertar.
Entretanto dona Nada não saiu por aí, correndo loucamente em busca de emoções. Não...A vida não acontece como nos contos de fada.
Não havia disponível nenhuma varinha de condão, mas havia sim, empoeirando sobre o armário, suas telas, tintas e pincéis.
Dona Nada percebera que o branco das telas retratavam, com perfeição, longos anos de si mesma. Chorou, chorou demasiadamente e em meio a tantas se lágrimas lembrou da personagem da novela das oito, que, do fundo do poço, emergiu gloriosa.
Encheu-se de coragem, e encorporando o papel da heroína, levantou a cabeça, enxugou as lágrimas como em uma performance teatral e, invadida por grande ansiedade fora retirando cada tela, cada tinta, cada pincel. Preparou todo o material, começando imediatamente a pintar.
E nos seus quadros foram surgindo cada fragmento de vida não vivida.
Havia flores, rios, mares, países não visitados. Havia amantes, risos, paixões sobrepostas ao medo.
Estampava, com todas as matizes, as mágicas nuances que a arte permite. Navegava em lua de mel, ora brilhava no céu feito estrela, ora caminhava por longas veredas floridas. Às vezes, ficava estática junto à natureza morta e, quando suas idéias surgiam em veloz turbilhão, logo se via um mundo abstrato.
Desde modo, dona Nada fora, pouco a pouco, pincelando de cores os sonhos que a vida houvera desbotado.

(Escrito 1992)

Azul

" Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida..."

Esperarei por você
pra ver a lua.
Deixarei a janela aberta
enquanto for noite
e houver estrelas.
E se uma delas
do céu despencar
riscando a escuridão,
fragmentará em luz
o meu desejo.
Pequenos beijos azuis.
(2005)